
AGRADECIMENTOS
Heinz Kohut afirma que o oxigênio da vida psicológica deve ser encontrado num ambiente de confirmação, de apoio e validação, e que a necessidade dessa atmosfera existe desde o nascimento até a morte. Eu tenho a grande felicidade de viver e trabalhar entre pessoas que, em sua essência, proporcionam essa atmosfera. Nesta página de reconhecimento, quero agradecer a elas com os mais calorosos sentimentos e a mais profunda gratidão por terem acreditado em mim, por terem me apoiado e estimulado, e por sua amizade.
Em primeiro lugar, desejo agradecer a Ernest Wolf. Foi ele quem sugeriu que eu escrevesse este livro. Ele ficara sabendo do meu trabalho por meio de uma oficina da qual nós dois participamos. No verão de 1991, ele me convidou a participar com ele e Joseph Lichtenberg de um simpósio clínico com duração de uma semana, em Cape Cod, Massachusetts. Aquele foi o início de uma série de deliciosos verões no Cabo, cheios de animação intelectual e de preciosa diversão de família, à medida que viemos a conhecer-nos.
Sem medo de manifestar seu pensamento, ou de mudar o curso de suas convicções, Ernie tem sido um modelo de integridade e de coragem para mim. Quero agradecer a ele e a sua esposa Ina por terem acreditado em minhas capacidades, e por terem me dado sua amizade leal.
Muitas outras pessoas contribuíram para a história deste livro, cada qual a seu modo, e quero nomear todas elas. Quero agradecer a Dixie Borus, Robert Buchanan, Mark Berger, Henry Evans, Bárbara Fajardo, Robert Fajardo, Paula Fuqua, Jill Gardner, Arnold Goldberg, Elin Greenberg, Elaine Hacker, David Hacker, Charles Kligerman, Nicholas Lenn, Rita Lenn, Joe Lichtenberg, Rebecca London, Sheldon Meyers, Thomas Pappadis, Brenda Solomon, Phil Suth, Ruth Suth, David Terman, Marian Tolpin, Paul Tolpin, Gloria Turoff, Jim Wilson, Martha Wood, David Zbaraz e Deety Zbaraz. Estendo minha mais profunda admiração e gratidão a David Solomon. Sua sabedoria, seu saber, sua coragem são parte integrante da evolução deste livro. Além disso, sou grato a meus amigos leais Jonathan Borus, Martin Greenberg e Andy Johnson por seu infinito apoio. Gostaria de agradecer a Leonard Rosenbaum por sua habilidade e seu profissionalismo na criação do indice remissivo para este livro.
Um autor escreve para um público, mas uma vez que o processo da escrita é solitário, escrevemos sem o beneficio da resposta. Fico profundamente agradecido a meus leitores, todos pessoas ocupadas, que responderam sem hesitação e com incrivel rapidez a meu pedido de comentários. Agradeço a Jonathan Borus, Amold Goldberg, Marian Tolpin, Jim Wilson, Ernest Wolf e Ina Wolf.
Agradeço também a Laurence Spurling por essa oportunidade de estudar profundamente a obra de Kohut, por sua paciência enquanto eu fazia o trabalho, e por suas sugestões que fizeram deste um livro muito melhor. Gostaria de agradecer ao Arquivo Kohut, situado no Instituto de Psicanálise de Chicago, o acesso ao material dos cursos de Kohut. Sou agradecido pela permissão que recebi da International Universities Press e da University of Chicago Press para fazer citações diretas dos trabalhos publicados de Kohut. Todo o esforço foi feito para obter a permissão para reproduzir a fotografia da capa. Os editores gostariam de receber qualquer informação que pudesse ajudar a localizar o detentor dos direitos.
Embora seja rico e cheio de satisfação, o trabalho de um psicanalista é particular e não pode ser compartilhado com a família. Muitas vezes senti certa tristeza de que meu trabalho fosse desconhecido para minha filha. Este livro proporcionou maravilhosa oportunidade de remediar essa situação, pois ela foi minha editora. É com enorme prazer que expresso meu reconhecimento a Deborah Siegel por sua cuidadosa colaboração para este livro. Seu estilo e seu sentido da escrita em prosa contribuíram imensamente para isso.
Conforme observei antes, uma atmosfera de confirmação é o oxigênio da vida psicológica. A esse propósito, este livro não poderia ter sido escrito sem a lealdade de minha mulher, Renée, que criou esse clima para mim. Em diversas ocasiões, ela foi minha editora, minha secretária, protetora e amiga. Agradeço-lhe profundamente.
Finalmente, uma vez que este livro é sobre selfobjetos, eu me sentiria relapso se não mencionasse um amigo de quatro patas e pelo branco que me fez companhia durante horas sem conta, só me abandonando uma vez, para correr atrás de um esquilinho errante que atravessou o quintal. Obrigado, Yoffi.

APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA
Fundada em junho de 2001 no Rio de Janeiro, a Associação Brasileira para o Estudo da Psicologia Psicanalítica do Self(ABEPPS) é uma organização dedicada ao estudo, à discussão e à difusão da psicologia psicanalítica do self, que oferece uma nova perspectiva para a compreensão do homem na contemporaneidade.
A ABEPPS teve sua origem em diversos grupos de estudos coordenados pelos psicanalistas Paulo Sauberman (Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro) e Renato Barauna (Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro), pioneiros, entre outros, do estudo da obra de Heinz Kohut em nosso país. Em anos recentes, o foco teórico e clínico da ABEPPS expandiu-se para incluir a teoria sistêmica da intersubjetividade e a psicanálise relacional.
Apresentamos este livro como passo inicial do projeto-compromisso de trazer a nossa língua outros trabalhos de autores da maior relevância para o conhecimento não só da psicologia psicanalítica do self, como também do amplo campo da psicanálise relacional contemporânea. No Brasil, a psicanálise tem conexões com vários outros referenciais psicanalíticos, e a obra de Kohut ainda é desconhecida de muitos profissionais. Por ser a psicanálise um território para a colaboração, para a interação, um modelo, como a psicologia do self, que recria a si mesmo e aceita outras contribuições das vastas áreas de aprendizagem, tem sido bem recebido como um conjunto de conceitos proveitosos para a reflexão.
Assim, temos o orgulho de oferecer, pela primeira vez em nossa língua, um livro sobre psicologia psicanalítica do self, não escrito por seu fundador Heinz Kohut, mas sim por um de seus seguidores.
Allen M. Siegel estudou psicologia do self durante mais de 20 anos, dedicando-se à psiquiatra e à psicanálise. Nesta obra, o autor pretendeu tornar mais acessiveis certos termos e conceitos introduzidos por Heinz Kohut ao leitor não familiarizado com sua obra.
Siegel reúne, em um único volume, temas que estão presentes nos três livros escritos por Kohut, Análise do self, A restauração do selfe Como a análise cura?, além de trabalhos publicados em diversos momentos e reunidos na coletânea de quatro volumes, The Search for the Self, editada por Paul H. Ornstein, ainda não disponíveis em português.
Esperamos que a acolhida dos leitores se faça à altura do entusiasmo e do encantamento que tivemos ao traduzi-lo.
Associação Brasileira para o Estudo da Psicologia Psicanalitica do Self
Rio de Janeiro - Brasil
APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO INGLESA
HEINZ KOHUT E A PSICOLOGIA DO SELF
Heinz Kohut e a psicologia do self estuda o trabalho pioneiro do analista e professor que se tornou fundador da psicologia do self. Ex-presidente da Associação Psicanalítica Americana e vice-presidente da Associação Psicanalitica Internacional, Kohut ficou cada vez mais afastado das duas entidades quando desenvolveu suas ideias acerca do narcisismo e do self. Um capítulo introdutório, escrito por Ernest Wolf - amigo e colega de Kohut - oferece um retrato psicológico do homem e de sua luta com o establishment psicanalítico.
Allen M. Siegel descreve o desenvolvimento teórico de Kohut examinando conceitos como empatia, a linha de desenvolvimento do narcisismo, as configurações narcísicas inconscientes, os selfobjetos e a transferência selfobjeto. A compreensão de Kohut acerca dos elementos curativos da terapia baseava-se na crença de que as vulnerabilidades narcísicas representam papel significativo no sofrimento que traz os clientes para o tratamento. O autor descreve a importância das inovações clínicas de Kohut, inspiradas por sua rejeição da psicologia das pulsões, em proveito de sua própria visão sobre o self vulnerável que tenta ficar em segurança.
A obra de Kohut, que muitas vezes é difícil, foi escrita predominantemente para uma plateia psicanalítica. Utilizando exemplos tirados da prática clínica, Allen M. Siegel mostra como as teorias de Kohut podem ser usadas de maneira eficaz em outras formas de tratamento.
Allen M. Siegel estudou psicologia do self durante mais de vinte anos, e agora é psiquiatra e psicanalista e exerce sua prática privada em Chicago.
INTRODUÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA
Meu profundo apreço pelo singular ponto de vista de Kohut, e meu sentimento de que qualquer estudioso da condicão humana se beneficiaria de aprender alguma coisa sobre esse ponto de vista, estimularam-me a escrever este livro. Na Introdução à edição original, eu falava de dois objetivos que tinham servido como motivadores para meu trabalho. Um deles era o desejo de estimular as pessoas a lerem os trabalhos de Kohut no original. O segundo era apresentar as ideias de Kohut de maneira clara e acessível para psicanalistas e psicoterapeutas de todas as inclinações.
Já há nove anos que meu livro apareceu pela primeira vez, e agora eu me pergunto: "Qual tera sido o destino da contribuição de Kohut?" À medida que examino o panorama psicanalítico em busca dessa resposta, vejo que há boas e más notícias.
BOAS NOTÍCIAS
Kohut fez importante contribuição à psicanálise, por meio de sua compreensão de que a análise e a psicoterapia psicanalítica são mais bem conduzidas dentro de uma atmosfera amigável, que reconheça a natureza altamente interativa do esforço terapêutico. Ele captou a noção de que o analista não é um observador neutro de um campo estéril. Compreendeu que o comportamento do analista, seja amável ou rude, tem importante impacto sobre a natureza do campo.
Essa compreensão constituiu o início de uma revolução na psicanálise. Ela desafiava a noção clássica do chamado analista "neutro" e lançou nova luz sobre as feridas iatrogênicas que os pacientes sofriam nas mãos de seus analistas bem-intencionados, porém mal orientados. A boa notícia é que essa revolução prossegue vigorosamente. A abertura que produziu criou uma atitude
de receptividade a uma variedade de teorias analíticas que anteriormente eram vistas com suspeição e tratadas como fora do território analítico.
MÁ NOTÍCIA
A má noticia é que, à medida que ensino psicologia do self em muitos ambientes diferentes, parece-me que cada vez menos gente lê Kohut hoje em dia. Realmente não sei por quê. Talvez isso se deva ao estilo dificil da escrita de Kohut. Talvez reflita a objeção pós-moderna àquilo que restou da ligação de Kohut à metapsicologia freudiana. Qualquer que seja a razão, vejo que um número cada vez menor de pessoas apreende a riqueza clínica da compreensão que Kohut tinha da condição humana.
BOA NOTÍCIA
Com essa tristeza em meu espírito, volto à boa notícia representada pelo trabalho que resultou nesta edição de meu livro. Esta tradução é para mim uma animadora afirmação de que algumas pessoas ainda compreendem o valor da contribuição de Kohut. A este propósito, eu me congratulo com Renato Baraúna e seus colegas psicólogos do self por sua perspicácia, e apresento-lhes minha profunda gratidão pelos diligentes esforços que fizeram para criar esta edição brasileira de Heinz Kohut e a psicologia do self. Muito obrigado.
Allen Siegel
INTRODUÇÃO
Quando eu era candidato no Instituto de Psicanálise de Chicago, fiz um curso de teoria da psicologia do self*, dado por Paul Tolpin e Ernest Wolf. Heinz Kohut compareceu a uma dessas aulas, como conferencista convidado. Lembro-me de que ele lamentou que, embora tivesse feito enorme esforço para ser o mais claro possível em seus trabalhos escritos, parecia que as pessoas ainda entendiam mal o que ele dissera. Ele admitia que algumas dessas compreensões errôneas podiam ser alimentadas por motivações inconscientes, mas o mais importante era que lhe parecia que as pessoas não liam mais seriamente. Suas palavras ficaram comigo: "As pessoas simplesmente não leem o que escrevi!".
Meu objetivo, ao escrever este livro, é duplo. Um é meu desejo de estimular você a ler Kohut no original. Para fazer isso, eu inclui declarações, observações, comentários de passagem, explicações e joias clinicas do próprio Kohut. Minha esperança é que seus insights e sua maneira cativante do expressar-se estimulem sua curiosidade e despertem em você um desejo de ler diretamente o que ele escreveu. Creio que vale o esforço, e espero que este livro possa ser um companheiro e guia nesse empenho.
Mas por que razão um estudante de psicoterapia psicodinâmica deveria ler Kohut, cujos trabalhos escritos se dirigem a um público psicanalítico? Kohut era psicanalista, e o que ele fazia era psicanálise; e suas observações certamente são sobre pessoas envolvidas num processo psicanalítico. Mas o principal de seu trabalho é que suas observações são sobre pessoas, independentemente de que tratamento procurem, ou de que procurem ou não algum tratamento.
Kohut fez importantes contribuições à compreensão da vida emocional, e suas conceituações têm implicações de longo alcance para a compreensão e o tratamento dos estados emocionais. Ele afirma que o narcisismo é normal e tem um curso próprio de desenvolvimento. Molda uma teoria acerca de configurações específicas que se formam à medida que o narcisismo amadurece. Ensina que há necessidades específicas relacionadas a essas configurações narcisicas, que o estabelecimento de um self saudável exige a satisfação dessas necessidades no inicio da vida, e que a manutenção de um self estável, vivaz, produtivo exige a alimentação contínua dessas necessidades durante toda a vida.
Isso me leva a meu segundo objetivo: apresentar as ideias de Kohut de maneira clara e compreensível, de modo que os psicoterapeutas de todas as tendências possam empregar suas conceituações para instruir seu trabalho. Além de suas teorias, Kohut desenvolveu uma nova compreensão acerca da situação terapêutica que é aplicável tanto à psicoterapia quanto à psicanálise. Eu achei as teorias e técnicas de Kohut úteis na psicoterapia psicodinâmica de longo prazo, na psicoterapia breve, na terapia de casais, no trabalho de consultoria em escolas e igrejas, tanto quanto na psicanálise.
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* Os termos psicologia do self e psicologia psicanalítica do self são utilizados neste livro com o mesmo sentido (N.T.).
Para estudarmos a evolução das ideias de Kohut e o desenvolvimento de suas teorias, é preciso que saibamos alguma coisa acerca do homem e do ambiente em que viveu, trabalhou e escreveu. Kohut emigrou para os Estados Unidos vindo de um meio europeu culto. Tendo educação clássica em música e literatura, além de formado em medicina, ele passou a viver em Chicago em 1940, proveniente de Viena, com 25 anos de idade, e seguiu uma formação como neurologista clínico no Departamento de Neurologia da Universidade de Chicago. Ali ele foi reconhecido por professores e colegas como um clínico brilhante, destinado a tornar-se um astro do Departamento. Entretanto, Kohut, como Freud, deixou o campo da neurologia para estudar o funcionamento da mente. Fez sua formação no Instituto de Psicanálise de Chicago, onde estudou a teoria freudiana clássica, a teoria psicanalítica dominante nos Estados Unidos.
O primeiro capítulo deste livro é um ensaio de Ernest Wolf, colega, amigo e colaborador de Kohut, intitulado "O vienense de Chicago". O doutor Wolf nos dá um retrato íntimo e evocativo da personalidade de Kohut. Oferece-nos penetrantes insights acerca do impacto psíquico do trauma que Kohut sofreu quando era criança. Ele rastreia as fontes da criatividade de Kohut, as origens de seu interesse pelo narcisismo e as influências que suas ideias virão a ter sobre as ciências em geral, e sobre a compreensão e o tratamento dos estados emocionais em particular. O doutor Wolf traz à vida o ambiente tendencioso do panorama psicanalítico em que Kohut trabalhou e lutou, e nos dá uma rápida percepção do círculo de amigos e admiradores dedicados que cercavam Kohut durante aqueles tempos dificeis. Ele traz Kohut de volta à vida. Sou-lhe agradecido por essa importante contribuição.
No capítulo 2, descrevo o curso de teoria freudiana que Kohut dava no Instituto de Psicanálise de Chicago. Excepcional estudioso de Freud, Kohut percebia profundamente as origens, as falhas e os pontos fortes do pensamento de Freud. Ele não era um apóstata; seu afastamento final da teoria clássica ocorreu a partir dessa compreensão completa. O curso que ele dava sobre a teoria freudiana revela melhor o domínio que tinha da obra de Freud do que qualquer outra coisa que eu tenha lido.
Kohut era um professor excepcional. Suas palestras eram elegantes e ordenadas, claras e articuladas. Falava sem anotações, expondo diversos assuntos com descontração e fluidez. Inclui esse curso porque a compreensão que Kohut tinha da teoria freudiana clássica ajuda a tornar compreensível a extensão que finalmente deu a essa teoria.
No capítulo 3, examino os primeiros artigos de Kohut, cobrindo o período de 1948 a 1960. Em seu primeiro artigo, escrito quando tinha 34 anos de idade, estão semeadas muitas das ideias que finalmente viriam a se unir e a levá-lo a uma psicologia do self. Juntos, esses primeiros artigos podem ser vistos como contendo três princípios organizadores principais que guiam a obra de Kohut. Esses princípios são (1) seu interesse pela metapsicologia freudiana, com ênfase especial nos pontos de vista genético, dinâmico e psicoeconômico, (2) seu interesse pelas questões narcísicas, e (3) uma preocupação epistemológica acerca da metodologia da coleta de dados na situação analitica. Kohut frequentemente dizia que seu artigo que lida com esta última preocupação era sua contribuição mais importante.
No capítulo 4, narro em ordem cronológica a síntese das ideias de Kohut durante os anos 1960, quando escreveu a série integrada de três artigos: Concepts and theories of psychoanalysis (Kohut & Seitz, 1963), Formas e transformações do narcisismo (Kohut, 1966) e O tratamento psicanalítico dos distúrbios narcísicos da personalidade: esboço de uma abordagem sistemática (Kohut, 1968).
Nesses artigos, ele lança a hipótese de que o narcisismo tem um curso normal de desenvolvimento que implica a formação de configurações narcísicas inconscientes específicas. Descreve ainda uma nova abordagem terapêutica ao tratamento de um tipo especial de psicopatologia, a saber, os distúrbios narcísicos. Embora as ideias de Kohut tenham-se desenvolvido a partir de uma compreensão profunda da obra de Freud, as afirmações dele são diferentes. Com medo de estar profanando solo sagrado, Kohut insiste em que suas ideias são um acréscimo à obra de Freud. Não pretendem substituí-la. Kohut tinha a esperança de continuar sendo um analista tradicional e, antecipando a crítica quanto a seu esforço para estender a teoria de Freud, referia-se à natureza evolutiva da teoria na ciência e na psicanálise para apoiar seu trabalho. Na última parte dos anos 1960, começou a escrever sua monografia seminal, Análise do self (1971). No capítulo 4, discuto a introdução que Kohut escreveu para essa monografia, porque serve como ligação entre os artigos mencionados anteriormente e Análise do self. que discuto nos capítulos 5 e 6.
Em Análise do self (op. cit.) Kohut repete a hipótese que apresentou nos primeiros artigos, afirmando novamente que o narcisismo tem sua própria linha de desenvolvimento. A essência dessa monografia é a descrição, em profundidade, das configurações narcísicas normais e de sua expressão nas transferências específicas. Ele descreve minuciosamente como o narcisismo amadurece a partir das formas infantis iniciais até o estabelecimento final das estruturas psíquicas maduras estáveis. Kohut afirma que as respostas psicologicamente sintonizadas dos que cuidam da criança são responsáveis pela formação do self saudável dessa criança. Conservando a linguagem da psicanálise clássica, Kohut se refere aos que cuidam da criança como objetos. Esses objetos cumprem funções especificas para o self em desenvolvimento. Dessa maneira, são experienciados como parte do self, e Kohut os chama de selfobjetos. Ele descreve como as respostas persistentemente defeituosas dos selfobjetos da criança podem constituir um trauma e abortar o desenvolvimento normal das configurações narcísicas. Afirma que o trauma repetido, vivenciado nas mãos de um selfobjeto deficiente, é responsável por um self deformado ou enfraquecido. Baseando-se nessa compreensão, propõe uma nova abordagem clínica à psicanálise de pessoas com distúrbios do self. Uma vez mais, embora esteja se dirigindo à situação psicanalítica, as configurações narcísicas que descreve e as funções psicológicas fundamentais providas pelos selfobjetos estendem-se a todas as pessoas. Esses princípios do desenvolvimento e suas implicações para o tratamento são proveitosos tanto para o psicoterapeuta psicodinâmico quanto para o psicanalista. Os casos de dois de meus próprios pacientes servem para demonstrar a aplicabilidade das ideias de Kohut.
O livro seguinte, A restauração do self (1977), é o assunto dos capitulos 7 e 8. Com esse livro, Kohut faz sua ruptura com a teoria clássica e coloca o self e suas vicissitudes no centro de sua psicologia. Ele propõe uma nova definição para saúde emocional, apresenta seu novo modelo do self bipolar e questiona a validade da teoria de pulsões duais e suas manifestações no complexo edipiano como motivador essencial do comportamento humano. Argumenta vigorosamente que a psicanálise carece de uma psicologia que leve o self em consideração, e tenta demonstrar o poder superior de explicação dessa psicologia. A restauração do self (1977) assinala a ruptura de Kohut com o que ele chama de psicologia clássica de pulsão e defesa, do "aparelho mental".
Creio que a ruptura de Kohut com a teoria clássica nessa ocasião foi influenciada por dois acontecimentos, o primeiro dos quais se deu pouco depois da publicação de Análise do self (1971). No outono de 1971, Kohut ficou sabendo que tinha leucemia crônica. O segundo foi que, ao mesmo tempo que recebia tal noticia, as ideias que propusera em Análise do self estavam sendo severamente criticadas. Creio que, defrontado com uma morte prematura e cercado por um círculo de amigos que o apoiavam, ele ganhou coragem para afastar-se do establishment psicanalítico, e tratou de clarificar as distinções entre suas ideias e a teoria clássica.
No capítulo 9, eu recapitulo "The Two Analyses of Mr. Z", relato que Kohut escreveu em 1979, sobre duas análises que conduzira da mesma pessoa, em dois momentos diferentes de seu (dele, Kohut) desenvolvimento. A primeira análise ocorreu quando Kohut estava teoricamente entrincheirado na teoria das pulsões duais. A segunda, depois que estava trabalhando na perspectiva do self. Esse instigante relato é parte de sua argumentação continuada acerca da superior eficácia de sua nova teoria.
Os capítulos 10 e 11 oferecem uma discussão do último trabalho de Kohut, publicado postumamente, Como a análise cura? (1984), editado por Arnold Goldberg em colaboração com Paul Stepansky. Kohut abre esse livro com uma resposta às críticas despertadas por A restauração dos self. Ele sugere que a ideia de uma "análise completa" é um mito que tem mais a ver com uma atitude perfeccionista por parte dos teóricos clássicos do que com a realidade. Ele reexamina o complexo de Édipo e considera então a questão de saber se a "neutralidade analítica" é possível, levando em conta o fato de que ser ouvido de uma maneira profundamente compreensiva é antes uma experiencia profunda do que uma experiência neutra.
O restante de Como a análise cura? (1984) é dedicado às últimas reflexões de Kohut acerca dos processos que ele acredita que efetuem a cura. Ele disseca aquilo que considera uma interpretação completa em elementos que são: (1) uma fase de compreensão e (2) uma fase de explicação, e discute o significado, a importância e o impacto de cada uma dessas fases. Ele aperfeiçoa sua visão acerca das defesas e da resistência, tópico de interesse técnico crucial para os psicanalistas tradicionais. Depois, descreve como essa nova compreensão
mudou o clima em seu consultório. Concluo o capitulo com uma discussão de um caso de psicoterapia de minha própria prática clínica, a fim de demonstrar a utilidade e a aplicabilidade das ideias de Kohut à condução de uma psicoterapia psicodinâmica tanto quanto de uma psicanálise.
No capitulo 12, trato das últimas palavras ditas publicamente por Kohut. Não são as últimas que tivemos dele, uma vez que há duas publicações póstumas, Como a análise cura? (1984), à qual já me referi, e "Introspection, Empathy and the Semicircle of Mental Health" (1982), que reflete as questões apresentadas tanto em Como a análise cura? (1984) quanto em "On Empathy" [Sobre a empatia] (o artigo que discuto no capítulo 12). Esses, entretanto, são pensamentos de Kohut três dias antes de morrer. De que ele tratava? Que preocupações mereceram suas últimas palavras ditas em público?
De fato, Kohut voltou à empatia, o assunto seminal de 1959. Ele foi atraído de volta à empatia porque o que escrevera estava sendo muito mal compreendido, e isso o preocupava. Ele declarou que se via na obrigação de estabelecer o registro correto, uma vez que se sentia responsável pelo uso equivocado da empatia. Prendeu a atenção de todos apresentando de improviso uma pungente discussão sobre a empatia, conservada em videotape que existe na biblioteca do Instituto de Psicanálise de Chicago. Vale a pena assistir a essa gravação, pelo seu impacto emocional.
O capítulo 13 contém minha crítica à obra de Kohut. Suponho que os leitores terão perguntas, argumentos, acordos e desacordos à medida que leiam. Para evitar interrupções que poderiam desviar-nos do eixo enquanto discutíamos a evolução das ideias de Kohut, guardei meus próprios pensamentos para o fim, em vez de espalhá-los ao longo do livro.
Passemos agora ao "Vienense de Chicago".
ÍNDICE DAS FIGURAS
2.1 | O MODELO TOPOGRÁFICO DA MENTE, DE FREUD............................................................................................ | 42 |
2.2 | A INTRUSAO DA TRANSFERENCIA DO INCONSCIENTE NO PRE-CONSCIENTE.......................................... | 44 |
2.3 | O ESQUEMA DE FREUD PARA A FORMAÇÃO DE SINTOMA NEUROTICO E PSICÓTICO............................ | 51 |
2.4 | EVOLUÇÃO E REGRESSAO DA LIBIDO OBJETAL............................................................................................... | 59 |
2.5 | REPRESENTAÇÃO QUE KOHUT FAZ DO MODELO TRIPARTIDO DE FREUD................................................. | 61 |
4.1 | A "AREA DE NEUTRALIZAÇÃO PROGRESSIVA".................................................................................................. | 81 |
4.2 | ACRÉSCIMO DE KOHUT À LINHA DE DESENVOLVIMENTO DE FREUD........................................................ | 83 |
4.3 | LINHA DE DESENVOLVIMENTO DO NARCISISMO............................................................................................. | 92 |
4.4 | TRAUMA NO DESENVOLVIMENTO DO SELF GRANDIOSO............................................................................... | 93 |
4.5 | TRAUMA NO DESENVOLVIMENTO DA IMAGO PARENTAL IDEALIZADA..................................................... | 93 |
5.1 | CONSEQUENCIAS DO TRAUMA NA SEQUÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO................................................. | 98 |
6.1 | TIPOS DE TRANSFERÊNCIAS................................................................................................................................... | 114 |
6.2 | A DIVISÃO VERTICAL................................................................................................................................................ | 119 |
6.3 | DIVISÃO VERTICAL CONTENDO A GRANDIOSIDADE RECUSADA................................................................. | 120 |
6.4 | DIVISÃO VERTICAL CURADA INTEGRANDO A GRANDIOSIDADE RECUSADA........................................... | 121 |
8.1 | CARACTERIZAÇÃO QUE KOHUT FAZ DA PERSONALIDADE DO SENHOR X E DAS DUAS FASES DE SUA ANÁLISE (KOHUT, 1977, OP. CIT., P. 213)........................................................................................................ | 153 |
9.1 | DIAGRAMA DE KOHUT PARA AS DUAS ANÁLISES DO SENHOR Z................................................................. | 183 |
SUMÁRIO
| INTRODUÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA........................................................................................................... | 15 |
| INTRODUÇÃO........................................................................................................................................................ | 17 |
1 | O VIENENSE D CHICAGO.................................................................................................................................... | 23 |
2 | A BASE CLÁSSICA DO PENSAMENTO DE KOHUT......................................................................................... | 37 |
3 | OS PRMEIROS ARTIGOS: SURGEM OS FIOS DE UM NOVO TECIDO.......................................................... | 65 |
4 | RUMO A UMA PSICOLOGIA DO SELF............................................................................................................... | 78 |
5 | A ANALISE DO SELF: PARTE I - A IMAGO PARENTAL IDEALIZADA......................................................... | 94 |
6 | A ANÁLISE DO SELF: PARTE II - O SELF GRANDIOSO.................................................................................. | 112 |
7 | A RESTAURAÇÃO DO SELF: PARTE I - INOVAÇÕES NA TEORIA................................................................ | 131 |
8 | A RESTAURAÇÃO DO SELF: PARTE II - CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS....................................................... | 146 |
9 | AS DUAS ANÁLISES DO SENHOR Z.................................................................................................................. | 171 |
10 | COMO A ANÁLISE CURA? PARTE I- REFLEXÕES TEÓRICAS...................................................................... | 184 |
11 | COMO A ANÁLISE CURA? PARTE II - O PROCESSO TERAPÉUTICO REVISTO......................................... | 202 |
12 | ÚLTIMAS PALAVRAS............................................................................................................................................ | 220 |
13 | CRITICA E CONCLUSÕES.................................................................................................................................... | 227 |
| GLOSSÁRIO............................................................................................................................................................ | 239 |
| CRONOLOGIA........................................................................................................................................................ | 245 |
| BIBLIOGRAFIA DAS OBRAS DE HEINZ KOHUT............................................................................................. | 247 |
| BIBLIOGRAFIA GERAL........................................................................................................................................ | 257 |
| INDICE REMISSIVO.............................................................................................................................................. | 263 |
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